A Síndrome de Burnout, também conhecida como síndrome do esgotamento profissional, passou a ser considerada como doença ocupacional a partir de 1º de janeiro de 2022, quando passou a ser classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A enfermidade é um transtorno psíquico ocasionado pelo cansaço extremo causado pelo estado de tensão emocional e estresse decorrentes de condições de trabalho desgastantes. E o trabalhador que é afetado por essa síndrome possui direitos trabalhistas e previdenciários para auxiliar no seu tratamento.
A advogada Cíntia Fernandes, especialista em Direito do Trabalho e sócia do Mauro Menezes & Advogados, revela que os efeitos trabalhistas e previdenciários decorrentes dessa nova classificação são os mesmos relacionados às demais doenças ocupacionais.
“Ou seja, a caracterização de uma doença ocupacional enseja direitos trabalhistas como licença médica remunerada pelo empregador por um período de até 15 dias de afastamento. Já nas hipóteses de afastamento superior a 15 dias, o empregado terá direito ao benefício previdenciário pago pelo INSS, denominado auxílio-doença-acidentário, que enseja o direito à estabilidade provisória, de modo que após a alta pelo INSS o empregado não poderá ser dispensado sem justa causa no período de 12 meses 12 meses subsequentes à cessação do auxílio-doença-acidentário”, explica a especialista.
Nos casos mais graves de incapacidade total para o trabalho, o empregado terá direito à aposentadoria por invalidez, mas é preciso passar pela perícia médica do INSS.
A OMS classificou a síndrome como “estresse crônico de trabalho que não foi administrado com sucesso”. O significado, de acordo com Ricardo Pereira de Freitas Guimarães, doutor em Direito do Trabalho, titular da cadeira 81 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e professor da PUC-SP e FADISD-SP, é relevante pois tal classificação torna de forma direta a ligação da doença com o trabalho, o que acaba por gerar responsabilização para o empregador.
“Talvez a melhor forma de explicar a diferença seria comparar referida doença com outras como síndrome do pânico ou depressão, que pela classificação podem ter origens várias, inclusive relacionada ao trabalho. Contudo, pela nova classificação essas origens desaparecem no caso do Burnout realizando de agora em diante uma ligação direta com o emprego. Tal fator gera possibilidade de afastamento como doença do trabalho, e ocorrendo essa hipótese, estabilidade no emprego até um ano após o retorno de afastamento, bem como eventual responsabilização por danos emergentes, lucros cessantes, além de eventual dano moral”, complementa.
A advogada Lariane Del Vecchio, especialista em Direito do Trabalho do escritório Aith, Badari e Luchin, destaca que além do afastamento e da estabilidade, o trabalhador acometido pela síndrome também tem direito em continuar a receber os depósitos de FGTS em sua conta, manutenção do convênio médico, indenização por danos morais em caso de violação a direitos de personalidade, danos materiais como gastos com medicação, consultas multidisciplinares, danos emergentes, como PLR e adicionais. “Além do direito a pensão vitalícia, que consiste em uma indenização que se leva em consideração a redução da capacidade laboral e o prejuízo financeiro provocado pela doença”, alerta.
A especialista ressalta que para configurar a síndrome como doença ocupacional é necessário provar a relação trabalho e doença.
“É o que chamamos de nexo causal ou concausa, que é a evolução de uma doença preexistente. O grande problema neste caso é a subnotificação se o diagnóstico for incorreto. Muitas vezes o trabalhador não relata que a doença está relacionada ao ambiente laboral, ela é diagnosticada como depressão, ansiedade e crise de pânico. Todos os acidentes de trabalho devem ser comunicados, independente da gravidade, mesmo que não haja afastamento e incapacidade para o trabalho”, orienta Lariane Del Vecchio.
É importante destacar que os direitos precedem à comprovação mediante perícia e atestado médico, reforça Cíntia Fernandes. “É necessário que o empregado apresente os atestados e laudos médicos para ter direito aos afastamentos. Nesse caso, ou seja, a partir do diagnóstico de doença relacionada ao trabalho, a empresa deverá emitir a CAT — Comunicação de Acidente de Trabalho-, comunicando o INSS. Na hipótese de omissão do empregador, o próprio trabalhador poderá registrar a comunicação de acidente de trabalho na página do INSS”, informa a advogada.
Reconhecimento
Segundo o advogado Celso Joaquim Jorgetti, sócio da Advocacia Jorgetti, a Síndrome de Burnout já é uma doença conhecida no meio jurídico trabalhista e previdenciário brasileiro como uma doença ocupacional, pelas inúmeras demandas judiciais em busca dos direitos e garantias dos empregados e segurados.
“Agora, desde de dia 1 de janeiro, com a atualização do cadastro internacional de doenças — CID, entrou em vigor a nova classificação da OMS para a doença, como enfermidade específica dos problemas gerados e associados ao emprego e passou a receber o CID 11. E, dessa forma, a doença deixou de ser abstrata e relacionada a várias causas e passou a compor o capítulo específico dos problemas gerados e associados ao emprego ou desemprego. Essa alteração demonstra um grande avanço no reconhecimento das doenças da era moderna”, avalia.
Celso Jorgetti observa que a doença ocupacional é bastante comum e já está prevista na Lei 8.213/91 como aquela adquirida pela atividade desenvolvida no trabalho ou pelo meio ambiente que o segurado esteve exposto e é considerada como acidente de trabalho, o que gera benefícios previdenciários.
“O benefício por incapacidade gerado por doença comum ou grave é calculado com base em 60% da média de todos os salários de contribuição desde julho de 1994 até a data do pedido, mais 2% dessa média a cada ano que ultrapassar 15 anos de contribuição no caso das mulheres e 20 de contribuição para os homens. Já no caso de aposentadoria por invalidez ocupacional, o benefício será de 100% da média de todos os salários de contribuição, de julho de 1994 até a data do pedido”, diz.
Pandemia e home office
Com o avanço da pandemia, muitos trabalhadores que migraram para o home office tiveram a carga de trabalho elevada. “A pandemia e o home office agravaram o risco de esgotamento profissional, por diversos motivos: o confinamento abrupto e duradouro; a extensão das jornadas de trabalho; a falta de condições e infraestrutura para a realização do trabalho nos lares; a cumulação de tarefas profissionais e domésticas, especialmente às mulheres; a ausência de privacidade e intimidade durante a jornada de trabalho” analisa o advogado, professor da UFPR e Diretor Científico do IEPREV, Marco Aurelio Serau Junior.
É responsabilidade do empregador evitar o adoecimento de seus funcionários, assim como zelar por um ambiente de trabalho saudável, seja presencial ou remoto, apontam os especialistas.
“A manutenção de um ambiente de trabalho seguro e saudável é responsabilidade do empregador, o qual possui várias ferramentas para zelar da saúde de seus empregados, a começar pelo respeito a legislação vigente no que se refere à jornada de trabalho e aos intervalos. Além disso, é importante ter atenção às metas que são propostas, de modo que estejam dentro de um contexto de razoabilidade, principalmente ao considerar que as metas abusivas têm sido um dos principais fatores de esgotamento profissional. Associado a essas condutas, o empregador deve desenvolver programas preventivos em Segurança e Medicina do Trabalho, com acompanhamento rigoroso e fiscalização quanto ao cumprimento”, alerta Cíntia Fernandes.
Na visão do professor Ricardo Pereira de Freitas Guimarães é fundamental “a realização de exames periódicos e a tentativa de manutenção de um ambiente de trabalho sadio sem excessos de jornada e respeito ao descanso dos trabalhadores seja no trabalho realizado direto na empresa ou em home office”.
Na Justiça do Trabalho, a responsabilidade das empresas será avaliada a partir da análise do laudo médico comprovando a existência da Síndrome de Burnout, evidenciando o histórico do trabalhador e avaliação do ambiente laboral, inclusive relatos de testemunhas, de acordo com o advogado Celso Jorgetti.
“Além disso, serão buscadas comprovações de degradação emocional e fatores causadores da síndrome, como assédio moral, metas excessivas ou cobranças agressivas e competitividade. Dessa forma, caberá às empresas garantirem programas preventivos para evitar a Síndrome de Burnout, com o propósito de implementar ações que, além de preservar a saúde mental do trabalhador, possam contribuir com o crescimento da corporação”, conclui o especialista.