Políticas potencializam trajetórias e criam oportunidade para jovens

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A jovem Nayane Silva (foto) era estudante do primeiro ano do ensino médio quando engravidou da filha, aos 18 anos. “Estudei até quando eu estava com seis meses de gestação, a barriga foi crescendo, não tinha como subir uma rampa que dava acesso à escola, então parei os estudos”, conta ela, que passou quatro anos fora da escola, até que conheceu o projeto Virando o Jogo em Fortaleza. Aluna da quinta edição do projeto, a jovem mãe está fazendo curso de salgadeira.

“Me senti muito acolhida e fui gostando cada vez mais das aulas, com os psicólogos, fui saindo do sedentarismo, criando novos hábitos e conhecimentos. Hoje sou salgadeira, amo culinária. O projeto tem me ajudado bastante, tanto psicologicamente, como fisicamente, com os esportes oferecidos saí da obesidade e do sedentarismo, agora sou apaixonada por esporte e sou saudável”, conta Nayane, de 23 anos.

No momento, ela está sem emprego. “É muito difícil, faltam oportunidades!”. Mas, agora reinserida no Centro de Educação de Jovens e Adultos (Ceja), onde estuda as disciplinas dos três anos do ensino médio, quer prestar concurso para a Guarda Municipal de Fortaleza. “Vou me preparar para o próximo concurso, não gostava de estudar e hoje tenho prazer em aprender. Vou estudar e não vou parar até chegar a hora da aprovação.”

O jovem Carlos Daniel Carneiro de Sousa é colega da Nayane no curso de salgadeiro. Ele terminou o ensino médio e no momento está sem trabalhar, mas o projeto o motiva. “Minha vida se encontrava meio sem sentido, seguia apenas por seguir. Havia parado em 2020 no 1° ano do médio e foi no período da pandemia, estava bem desinteressado na vida. Mas, a experiência no Virando o Jogo tem sido de aprendizado e de autoconhecimento, um misto muito grande. A vida ainda está um pouco turbulenta, mas me sinto muito melhor, em relação ao início do projeto mudei bastante.”

Aos 22 anos, ele sonha em montar seu próprio negócio. “Quero ter um restaurante ou algo relacionado a gastronomia”. Atualmente ele estuda por conta própria em casa para fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). “Meus planos atuais são trabalhar em uma cozinha e adquirir conhecimento, mais na frente fazer uma faculdade e em alguns anos abrir meu negócio.”

Mateus Santos da Silva foi aluno da primeira edição. Fez curso de assistente administrativo e, durante a edição, foi reinserido no EJA semipresencial e aprovado na seleção de jovem aprendiz no Banco do Nordeste. Mas, antes do projeto, não era assim.

Mateus Santos foi efetivado no banco depois de um ano e meio como jovem aprendiz – Arquivo pessoal/Divulgação

“Eu não trabalhava, eu não estudava e ficava só em casa, abandonei os estudos porque arranjei um trabalho, depois fiquei sem os estudos e sem o trabalho”. Mas o projeto transformou a vida dele. “Consegui ingressar no Ceja para concluir os estudos, tive direito a vários cursos e à ajuda de custo, que dava para ajudar em casa. Foi uma experiência muito boa, os professores são ótimos!”

Mateus foi efetivado no banco depois de um ano e meio como jovem aprendiz e ainda cursa duas faculdades ao mesmo tempo. “Estou no segundo semestre da faculdade de administração e de processos gerenciais também.”

Aos 22 anos, ele também quer fazer concurso público. “Meu sonho é terminar as duas faculdades, conseguir um bom emprego e ainda pretendo passar em concurso público e vou passar!”.

Nayane e Carlos estão no projeto Virando o Jogo, que em Fortaleza e em Sobral chegou a 5.180 jovens cearenses que não estudam e nem trabalham, ou, como o jovem Mateus, não estudavam e não trabalhavam e tiveram a vida transformada. A iniciativa do governo do estado do Ceará envolve órgãos das áreas de educação, da segurança pública, a Fundação de Amparo à Pesquisa, além do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac).

A história desses e de outros jovens foi registrada no livro-reportagem Aqui Contém Sonhos: Narrativas em torno do Projeto Virando o Jogo.   

O projeto possibilita acesso gratuito a cursos profissionalizantes certificados pelo Senac e, paralelamente, promove ações de reinserção escolar junto a quem interrompeu os estudos e tem interesse em voltar a estudar, reconduzindo cada jovem participante evadido ao ensino regular.

Ao vestir a camisa do Virando o Jogo, o “botão” da virada é acionado em diferentes fases: ao longo do processo formativo, participantes do projeto Virando o Jogo passam por formação cidadã, qualificação profissional, ações comunitárias e atividades socioculturais, além de adquirir noções de empreendedorismo e gestão financeira. Contam ainda com atendimento psicossocial e acompanhamento familiar, quando necessário, assim como ajuda de custo, vale-transporte, material didático, uniforme, lanche e outros benefícios sociais.

Quem avançou em todas as “casas” do projeto Virando o Jogo sai com certificado técnico-profissional assinado pelo Senac, perspectiva de encaminhamento para estágios ou empregos, pequenos negócios iniciados ou em planejamento e um currículo mais encorpado, o que resulta em chances mais sólidas para ingressar no mercado de trabalho.

Com recursos do Programa de Prevenção e Redução à Violência do Estado do Ceará (PReVio), o governo do estado afirma que em 2023 o projeto vai chegar a três municípios cearenses: Caucaia, Maracanaú e Maranguape. Em 2024, serão ainda acrescidos Itapipoca, Quixadá, Iguatu, Crato e Juazeiro do Norte. Com isso, a estimativa é atingir a marca de 20 mil adolescentes e jovens atendidos em todo o estado.

Avaliação

A iniciativa do projeto Virando o Jogo levou a um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Ceará e da Universidade de Fortaleza (Unifor)  a analisá-lo, assim como a situação do jovem que está fora da escola e do trabalho. Na visão do pesquisador Gustavo Raposo, primeiro é preciso pensar o sentido do termo nem-nem.

“Nem estuda, nem trabalha, essa ideia é de que esse jovem está numa situação muito vulnerável, porque ele deveria estar estudando e não está. Ao não estudar prejudica o futuro profissional dele, o futuro da renda e também não estar trabalhando faz com que ele fique ainda mais vulnerável, exposto ao recrutamento para atividades ilícitas e isso acaba se transformando num duplo efeito de risco. E tem um contingente muito grande de jovens que estão nessa situação”, lamenta o pesquisador, que trabalha com direitos humanos e pesquisa empírica.

O pesquisador explica que é preciso analisar o que faz esse jovem estar fora da escola. “Tem muitas questões relacionadas à violência urbana, deslocamento, efeito do controle das organizações criminosas sobre os territórios, uma infinidade de possibilidades e aspectos que podem ser tratados pra pensar por que esse jovem não está dentro da escola.”

O ambiente escolar também influencia para este abandono. “Outro aspecto importante diz respeito à própria escola: por que não consegue manter esse jovem dentro da escola? Será que a escola é ruim, será que tem violência dentro dessa escola, será que ela não está oferecendo uma formação adequada para esse jovem, que faça com que ele se sinta estimulado e atraído para ficar dentro da escola? A dinâmica também relacionada à escola que tem que ser observada.”

Quanto à dimensão profissional, o pesquisador frisa que o jovem pode ocasionalmente trabalhar, embora precariamente. “Ele está fazendo bicos, se movimentando, às vezes transitando entre atividades lícitas, como entrega, e ilícitas, fazendo pequenos trabalhos associados ao mundo crime, tem uma situação que esse jovem que a gente diz que não trabalha, na verdade ele está se virando de todo jeito para sobreviver, mesmo que não tenha uma atividade fixa permanente.”

Para Raposo, é preciso refletir que esse jovem é supervulnerável em todos os aspectos. “Essa situação destrói boa parte das perspectivas de futuro que ele tem e cria uma situação de vulnerabilidade que pode gerar riscos associados, inclusive à segurança e a atividades criminosas.” O pesquisador defende que esse jovem precisa ser cuidado.

“Precisa ser protegido, precisa haver investimentos, programas, que tragam esse jovem de volta para escola e, ao mesmo tempo, trabalhe a inserção ou a reinserção profissional dele. O nem-nem tem que ser acolhido porque ele é um jovem que tem potencial enorme, eles são criativos, têm projetos, sonhos, ideias inovadoras, mas estão, em grande medida, sem a capacidade de enxergar naquele horizonte que ele vive, ver o que ele pode fazer para sair daquilo.”

Para tanto, os projetos podem mudar a situação, analisa Raposo. “Os projetos mostram opções, caminhos, abrem uma porta, induzem esse movimento inercial que acaba fazendo com ele seja tragado por essa situação de vulnerabilidade em que vive.”

O pesquisador alerta, no entanto, para a visão negativa que há desses jovens. “É preciso muito cuidado com a ideia do jovem problema. Tem muita gente que fala: ‘Vamos investir para que eles não virem ‘ladrões’. Cuidado com essa abordagem. A abordagem do acolhimento, do apoio, da compreensão dos problemas que vivem, da oportunidade e da potencialidade que esse jovem tem, se for bem trabalhada, é adequada, é a perspectiva que a gente prefere atuar.”

Ele observa que falta de perspectiva dos jovens também não é um problema só brasileiro. “É é muito presente em outros países, essa falta de oportunidades, de perspectivas, o mercado de trabalho que não consegue absorver esses jovens, especialmente jovens negros, que vêm de grupos minoritários no exterior, principalmente afetando filhos de imigrantes, então não é um problema só brasileiro. Mas no Brasil é um problema de dimensão alarmante.”

Agência Brasil –