Ninguém merecia e, particularmente, Barack Obama, que não conseguiu transferir seus votos para Hillary Clinton. Cairá inevitavelmente o “establishment” mundial fincado no livre mercado, livre iniciativa e participação do Estado nos programas positivos de ação social, como a integração de milhões de americanos a um plano abrangente de saúde. Em suma, com Obama vai pela enxurrada a perspectiva de americanos e de grande parte do mundo de viver sob um “Estado do bem estar social”.
Jamais um governo americano foi tão comprometido com os direitos individuais e sociais e com as liberdades, conjunto que se pode chamar de “bom direito” contemporâneo e que a maioria dos juristas firmam como corolário da já velha teoria da “função social da propriedade”. Todos têm direito a uma vida razoável e com felicidade em todo o orbe, tal como o declaram as Nações Unidas, mas para chegar a esse ponto ótimo de relações planetárias ainda há muito o que fazer. E não será com Donald Trump, Wladimir Putin, Bassar al-Assad e, talvez, com probabilidade, Marianne Le Pen. Esta regorjeou-se ao ver seu parceiro da extrema direita obtusa estilhaçar o “telhado de vidro” que sempre impediu extremistas de obter mais de 25% dos votos (precisamente o que ela tem atualmente na França) na sociedade mais poderosa do planeta.
Na guerra da Síria, certamente o problema mais intrincado para todos os governos ocidentais e especialmente para os EUA, tudo se iniciou sob o móvel de todos os conflitos do homem que desandam para os confrontos: a propriedade. O homem é o único animal que faz guerra e o faz em razão da propriedade. No restante do mundo animal, somente as formigas cortadeiras têm em comum essa propensão com o homem.
Em determinado ninho, acumulam grandes quantidades de alimentos; suas congêneres do ninho vizinho visam apropriar-se dele. Como não têm linguagem e não sabem expressar seu patrimonialismo como nacionalismo, o conflito, em geral, dura quatro ou cinco semanas.
O novo governante americano prometeu apoio a Assad, ao ex-agente da KGB, Putin, que pretende restaurar a propriedade do antigo território soviético e à China, desatando os elos do ocidente garantidores do regime democrático e social. Sabe-se que a oposição Síria também não merece apoio, considerada sua infiltração pela Al Qaeda, pelo El, grupos de apoio a essas organizações e a uma horda de mercenários. No entanto, é imprescindível conter o conflito e restaurar a paz na Síria, cujo rompimento gerou mais de 250 mil mortos, a maioria civil, e a maior onda de imigração na Europa desde a segunda guerra mundial. A primeira das medidas ainda não adotada seria a restrição de seu espaço aéreo, tal como proposto por Hillary Clinton. Em 2011 ela, como Secretária de Estado, rejeitou essa solução peremptoriamente. Um erro crasso, que levou à zona de guerra ao “ponto zero”, em que nenhuma das forças é vencedora, o estado bélico se perpetua e todos os grupos insanos encontram o terreno propício para suas insanidades e espertezas, estas com o escoamento dos produtos da indústria armamentista.
A propriedade motivadora dos confrontos bélicos, essencialmente, se volta para os bens materiais; mas também se volta às crenças religiosas, ideológicas, a variados tipos de fé, que também são considerados como objetos de apropriação do homem, com exclusão dos demais, a exemplo de xiitas, sunitas e jihadistas. A guerra na Síria não é mais do que o ponto de concentração dessa natural inclinação humana, que não é necessária, porquanto a racionalidade e as instituições democráticas podem impedir que a propriedade provoque derramamentos de sangue. Nesse sentido agiu Barack Obama, que hoje verifica a possibilidade iminente de corrosão de todos os seus projetos de interesse dos americanos e da humanidade em geral. O mais sério retrocesso no processo civilizatório dos últimos tempos, juntamente com o Brexit e eventual vitória da extrema direita na França.
No mesmo passo, ameaça-se de colapso o acordo com o Irã sobre as armas nucleares, que não parecem preocupar o Sr. Donald; nem mesmo a Coreia do Norte.
Por razões internas e externas, Obama deve estar arrasado, ao ver os esforços de oito anos de política racional lançados ao lixo. A globalização e a União Europeia periclitam. E o mundo tem muitas razões para temer mais ainda por sua sobrevivência. Tudo em razão de uma eleição, no país mais importante do mundo, em que a vontade popular é expressa por um sistema anacrônico e obviamente inadequado.
Amadeu Roberto Garrido de Paula, advogado e membro da Academia Latino-Americana de Ciências Humanas.