Governo confirma possibilidade de estatais financeiras terem que devolver Instrumentos Híbridos de Capital e Dívida (IHCD) para o chamado “colchão da dívida”. Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae) observa que esta e outras medidas descapitalizam e enfraquecem Caixa, Banco do Brasil e BNDES, colocando em risco financiamento da produção e de ações estratégicas em infraestrutura, saneamento e habitação popular
Brasília, 23/10/2020 — Para resolver a questão da dívida pública, o governo pretende retirar recursos da Caixa Econômica Federal e das outras estatais financeiras (Banco do Brasil e BNDES) responsáveis, principalmente durante a pandemia, pelo socorro ao setor produtivo e aos mais de 100 milhões de brasileiros que estão sobrevivendo graças ao auxílio emergencial e a outros benefícios sociais pagos pela Caixa. A intenção do Executivo é negociar com os bancos públicos a devolução antecipada de recursos do Tesouro Nacional utilizados para o financiamento da produção e de ações em áreas estratégicas para o país, como infraestrutura, saneamento e habitação popular.
No caso da Caixa Econômica, o governo negocia, com a direção do banco, novas devoluções dos chamados Instrumentos Híbridos de Capital e Dívida (IHCD). Os recursos são usados para o fortalecimento da estatal, dando condições para que a Caixa possa assistir à população com crédito mais acessível e a longo prazo. Só em 2019, a estatal devolveu ao Tesouro R$ 10,35 bilhões, cerca de 25% do valor total dos IHCDs, que somavam R$ 40 bilhões.
Para a Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae), a medida representa mais um golpe do governo contra os bancos públicos e ao papel social dessas instituições. Vai descapitaliza-las e enfraquecê-las.
“Não tem justificativa para a devolução desses recursos. Isso não resolve a dívida pública. Cada nova devolução de IHCD pela Caixa representa a diminuição da capacidade do banco de conceder empréstimo e amparo financeiro à sociedade”, afirma o presidente da Fenae, Sérgio Takemoto. “A população está precisando de renda, de financiamento a longo prazo. O que o governo quer fazer certamente prejudicará a todos”, reforça.
Só do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, segundo informações veiculadas nesta semana, o objetivo é retirar R$ 100 bilhões para formar o que técnicos do Executivo chamam de “colchão da dívida”. Nesta quarta-feira (21), o secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal, confirmou que a possível devolução antecipada de recursos do BNDES é destinada à formação do “colchão de liquidez do Tesouro”. Hoje (23), o jornal Valor Econômico informa que, segundo Funchal, o governo também pretende “descarimbar” cerca de R$ 177 bilhões em recursos que estão parados em fundos federais para financiar ações de combate à pandemia e diminuir a pressão sobre o endividamento.
O uso de dinheiro do BNDES e do Banco Central (BC) para abater a dívida pública também foi confirmado pelo secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues. Nesta quinta-feira (22), ele disse que, além de transferências destes dois bancos, a área econômica trabalha com outras medidas para o gerenciamento dos recursos da União, como dividendos das instituições financeiras federais — uma delas, a Caixa.
Entre 2008 e 2014, o governo injetou mais de R$ 400 bilhões no BNDES para possibilitar financiamentos ao setor produtivo e ainda mitigar os efeitos da crise global de 2008. Este empréstimo ao banco só vence em 2060.
LIQUIDEZ DAS ESTATAIS — O presidente da Fenae lembra que no último mês de março, logo no início da pandemia da covid-19, o governo anunciou um pacote de medidas para os bancos oferecerem mais crédito à população sem afetar a liquidez dessas instituições.
“A Caixa vem tendo papel relevante nesse momento de crise, com linhas de financiamento para as micro e pequenas empresas e facilitando o pagamento das prestações da casa própria, dentre outras medidas. É inconcebível, portanto, que o governo queira a devolução de recursos, o que pode enfraquecer a atuação do banco”, argumenta Sérgio Takemoto.
POLÍTICAS PÚBLICAS COMPROMETIDAS — O Instrumento Híbrido de Capital e Dívida (IHCD) funciona como um empréstimo que reforça o capital das instituições financeiras. O instrumento tem sido usado para aumentar a capacidade de concessão de créditos pelos bancos públicos sem comprometer a segurança financeira destas estatais. Os financiamentos concedidos pela Caixa permitiram que o banco ampliasse a carteira de crédito durante a crise financeira, fortalecendo o papel da instituição como agente das políticas públicas dirigidas principalmente à população economicamente vulnerável.
“O governo não tem projeto de investimentos para o país”, analisa a representante dos empregados no Conselho de Administração da Caixa e coordenadora do Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas, Rita Serrano. Segundo ela, a devolução dos IHCDs não terá impacto no resultado primário do governo.
“Espera-se que o ministro Paulo Guedes [Economia] não fique gastando tempo especulando, sem apresentar ações para o país superar as crises sanitária e econômica”, diz Serrano, que também analisa as privatizações pretendidas pelo governo. “A privatização virou um mantra, sendo alardeada como solução quando, na prática, o que se pretende é entregar o patrimônio a preço de banana, vender o almoço para pagar a janta, perdendo-se os instrumentos que poderiam ajudar o país na retomada da economia”, avalia a conselheira.