Com o retorno das aulas presenciais, advogados, instituições de ensino e médicos discutem a legalidade da exigência da vacina. Segundo eles, esse é um tema complexo que ainda apresenta muitas indefinições.
Desde dezembro, o País vem observando um grande aumento no número de casos e de internações em consequência da Covid-19 e da gripe influenza. O que acendeu um sinal de alerta para o retorno das atividades que estavam previstas, entre elas, o das aulas presenciais. Com isso, as direções de algumas escolas no Rio de Janeiro estabeleceram, entre suas orientações gerais para o início do ano letivo, a obrigatoriedade do comprovante de vacinação contra a Covid-19 para professores, funcionários e alunos. Porém, essa exigência gerou um debate entre os pais e as escolas sobre a legalidade da decisão.
A vacinação é obrigatória no Brasil nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias há mais de trinta anos e está prevista no Estatuto da Criança e Adolescente. Contudo, para que essa obrigatoriedade tenha efeito, é necessária a inclusão da vacina no Plano Nacional de Imunização.
Segundo a advogada do escritório VC Advogados, Francine Barreto, o Estado do Rio de Janeiro conta com legislação própria e determina a obrigatoriedade da apresentação da caderneta de vacina no ato da matrícula na pré-escola e no 1º grau, tanto na rede de ensino pública como na particular. O Município do Rio de Janeiro também conta com legislação própria, mas apenas sobre a educação infantil. Já as instituições de ensino particular, possuem autonomia para cobrar o cartão de vacinação e assim o fazem de acordo com as recomendações das autoridades sanitárias, sendo que em alguns Estados e Municípios isso é uma imposição legal.
No entanto, o Município do Rio de Janeiro já se pronunciou que não exigirá a comprovação da vacina contra a Covid-19 nas escolas e, muito provavelmente, as escolas particulares seguirão o mesmo caminho. Por isso, grupos de pais já vem se organizando em abaixos-assinados para que as instituições particulares que decidiram pela exigência voltem atrás e liberem as aulas para os jovens que não queiram receber as doses do imunizante, ou que tenham sido impedidos por seus responsáveis. Os pais alegam que a vacinação de crianças deve ser uma decisão exclusiva dos responsáveis pelas crianças, não cabendo ao diretor da escola ou à sua diretoria o direito ou a competência médica para obrigar à vacinação, sob pena de privar os menores de acesso presencial à escola.
Francine explica que em se tratando de crianças, a obrigatoriedade da vacinação decorre da recomendação das autoridades sanitárias e da imposição legal. “Como a vacinação contra o COVID-19 ainda não foi incluída no Plano Nacional de Imunização, não há como impor a sua obrigatoriedade e consequentemente, a sua comprovação, bem como o impedimento da prática de atos da vida civil por conta de tal exigência”.
Mas a advogada faz um alerta. No caso das instituições de ensino privadas, por questões contratuais pode se estabelecer a obrigatoriedade da comprovação da vacina, mas não como um impedimento para o acesso à sala de aula.
“Se a escola entender que é obrigatória por contrato a comprovação da vacinação para acesso às suas dependências, em caso de negativa dos pais, pode alegar violação à norma contratual — claro, desde que tenha sido estabelecida no contrato de serviços de ensino a apresentação da carteira de vacinação — e considerar que há descumprimento ao art. 14 do ECA, pois ainda que a vacina do COVID-19 não esteja no Plano Nacional de Imunização, está incluída no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a COVID-19 instituído pelo Ministério da Saúde. A escola pode ainda alegar a violação ao art. 227 da Constituição Federal pelos pais, pois ao se negarem a vacinar seu filho, deixam de assegurar o direito à saúde em detrimento de sua própria convicção ideológica sobre a questão da vacinação”, afirma.
Por outro lado, Francine esclarece que caso os pais se sintam lesados e as crianças sejam impedidas de frequentar as aulas, os responsáveis podem ajuizar medida judicial para garantir o acesso, sob o argumento de que a vacinação não é obrigatória por não estar incluída no Plano Nacional de Imunização — instrumento legal que contempla todas as vacinas obrigatórias — e que não há legislação específica acerca de tal imposição.
“Essa questão já foi enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal – STF e a partir de uma leitura conjunta e sistemática das teses, os pais são sim obrigados a vacinar seus filhos menores de idade contra a Covid-19, se o imunizante já estiver devidamente registrado pela ANVISA, estiver incluído no Plano Nacional de Imunização – PNI e tenha sua obrigatoriedade incluída em lei ou sua aplicação determinada pela autoridade competente”, assegura Francine.
Carla Dolezel, reitora da Faculdade Instituto Rio de Janeiro – FIURJ, defende que a vacinação é um instrumento fundamental no combate à pandemia e ao atraso no ensino, pois vai possibilitar o retorno de forma mais segura e duradoura. Ela disse que a falta das aulas presenciais gerou um atraso na educação de crianças e jovens, atraso este, que levará décadas para ser superado.
De acordo com a reitora, a não vacinação pode ser prejudicial ao setor de ensino, considerando que as salas de aulas geram uma aglomeração. “Controlar as crianças neste ambiente é extremamente difícil, especialmente no setor público, onde há um número menor de funcionários para fiscalizar e orientar as crianças quanto às medidas de prevenção, como uso correto das máscaras e uso de álcool em gel”.
Carla Dolezel, comenta que a expectativa de retorno das aulas presenciais após dois anos de pandemia por parte das instituições de ensino, dos pais e alunos é enorme.
“O isolamento gerado pela pandemia afetou em demasia a socialização das crianças e dos jovens, assim como, o nível de aprendizado que não foi o mesmo, especialmente na rede pública, onde muitos alunos não tinham acesso a tecnologia”, garante.
A médica pediatra, da Iron Telemedicina, Luciana Gualberto Rocha, relata que já foi comprovada a eficácia de cerca de 90% da vacina para crianças entre 05 e 11 anos, e que os estudos já foram enviados para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa. Ela alerta que em 2021, houveram 301 óbitos e 606 casos de síndromes inflamatórias pediátrica, no Brasil, causadas pela Covid-19.
“Os EUA aplicaram 8,7 milhões de doses entre crianças de 05 e 11 anos, nenhuma morte foi registrada e eventos adversos graves foram raros na imunização de crianças no país. Temos que vacinar as crianças, e diminuir a disseminação e as intercorrências graves que esse vírus vem causando”, defende a médica.
A recomendação à população é que continuem se vacinando. São incontestáveis os dados técnicos de que a vacina salva vidas. Mas a vacinação de crianças ainda é um assunto em aberto e que vai dar o que falar.