Um pequeno fragmento de coral-de-fogo (Millepora alcicornis) encontrado no leito do mar, desprendido do recife e coberto de areia, estaria fadado a perecer. Em pouco tempo, perderia a simbiose com as algas zooxantelas, que fornecem grande parte dos nutrientes para o hidrocoral, e morreria.
Mas, pelo menos em um trecho de litoral no município de Ipojuca, em Pernambuco, eles têm grandes chances de ser resgatados pelas mãos de cientistas e receber os cuidados necessários para que se restabeleçam e possam voltar sadios às franjas de recifes.
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Corais podem evitar R$ 160 bilhões em danos ao litoral do Nordeste.Cientistas propõem criação de APA entre Noronha e Ceará.Os responsáveis por cuidar dessa e de outras espécies de corais no litoral pernambucano são a equipe da Biofábrica de Corais, uma pequena startup (empresa iniciante) que, em 2017, recebeu autorização do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para manejar os corais de Porto de Galinhas, em Ipojuca.
“A gente pega os corais, procurando sempre por uma parte do tecido ainda saudável, para garantir que ele possa se recuperar. A gente então o fragmenta [em partes menores], porque isso favorece o crescimento”, explica María Gabriela Moreno, venezuelana que coordena as operações da biofábrica.
Com a fragmentação, um coral se transforma em vários indivíduos. Os pedaços são colocados em uma base de plástico ecológico, para que possam se recuperar e crescer. O trabalho é feito em dois locais: no próprio recife, em Porto de Galinhas; ou em tanques em uma sala do Centro de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Nordeste (Cepene), vinculado ao ICMBio e localizado em Tamandaré, município vizinho.
Depois que atingem um tamanho adequado, os corais são amarrados em pedaços de pedra ou concreto e reposicionados nos recifes de Porto de Galinhas.
Turismo
Porto de Galinhas é, aliás, um destino turístico que depende dos corais. Sua atração mais famosa são as piscinas naturais, formadas no meio dos recifes que se localizam a poucos metros da costa.
Justamente por isso, atrai milhares de turistas todos os anos, o que traz recursos para a cidade e gera renda para os moradores, ao mesmo tempo em que ameaça o frágil equilíbrio desse ecossistema.
No primeiro semestre deste ano, apenas uma operadora de viagens embarcou 20 mil turistas para Porto de Galinhas, segundo a prefeitura de Ipojuca.
“Na bancada recifal, tem aproximadamente 80 jangadeiros que vivem de levar as pessoas para pisar no coral”, explica o engenheiro de pesca Rudã Brandão, gestor da Biofábrica de Corais.
O pisoteio do recife é apenas um dos impactos diretos provocados pelo turismo de massa. Turistas também esbarram nos corais com braços e nadadeiras, quebrando estruturas coralíneas; deixam lixo nas piscinas naturais; afugentam a vida selvagem; e alimentam peixes, interferindo no ciclo da natureza.
Armando Júnior tem 48 anos e trabalha como jangadeiro desde que tinha 14 anos. Segundo ele, apesar do grande número de turistas, há hoje uma preocupação maior com a preservação dos recifes.
O pisoteio, por exemplo, é restrito às ‘zonas de sacrifício’, marcadas por boias, que concentram os turistas para evitar a degradação de outras áreas recifais. O número de jangadeiros também é limitado a cerca de 80. Não é possível alugar ou vender o registro de jangadeiro, sendo permitido apenas passá-lo para um dos filhos.
“Antes, eu levava oito, dez pessoas numa jangada, deixava lá [no recife] e marcava um horário para buscar. Hoje não, o passeio tem duração de uma hora e o jangadeiro acompanha em tempo integral, é limitado o número de pessoas. O tempo de permanência no recife é de 20 minutos. Fica 20 minutos, tira foto e embarca na jangada para uma piscina”, conta Júnior. “O recife de coral é a minha vida, tudo o que eu tenho, é graças ao ambiente recifal”.
Outro morador de Ipojuca que vive dos corais é o instrutor de mergulho Pedro Gabriel Maia, de 27 anos:
“Aqui, sem os corais, não teria o turismo, que é importantíssimo. É isso que move a cidade, com os passeios de jangada, o mergulho nas piscininhas. Sem os corais, Porto de Galinhas não seria Porto de Galinhas.”
O excesso de turistas, no entanto, mesmo com as restrições impostas, coloca em risco a própria viabilidade da praia como um destino voltado à experiência da natureza. Pedro explica que, há alguns anos, os recifes tinham muito mais vida marinha do que hoje em dia.
“Tinha maior quantidade e maior variedade [de espécies]. Eu mergulho há 19 anos e o que pude observar nesses anos mergulhando é justamente a degradação e a diminuição da quantidade e variedade de animais em geral, principalmente dos corais. E o coral é a base de tudo, onde ele vai diminuindo, vai morrendo, vai diminuindo também a diversidade e a quantidade de outros animais”.
Restauração
Na tentativa de resolver o dilema entre o aumento do turismo e a preservação ambiental, a Biofábrica de Corais resolveu aproveitar seu projeto de restauração para envolver também os turistas.
O projeto oferece aos visitantes a possibilidade de mergulhar nos recifes e, ao mesmo tempo, ajudar na sua conservação, reintroduzindo espécimes de corais no seu habitat natural.
Como é uma empresa voltada para a pesquisa, a biofábrica tem autorização para explorar, com exclusividade, uma área do recife de Porto de Galinhas. É nesse local que os corais se reproduzem e são reintroduzidos, com a ajuda dos próprios turistas.
“A gente está entrando em uma nova era de relação com a natureza. O recife de coral não pode mais ser concebido como algo que pode se manter sozinho. Todo recife de coral vai precisar ter alguém salvaguardando-o”, explica Rudã Brandão.
“A gente oferece essa experiência de a pessoa ir até a bancada recifal e não destruí-la. Pelo contrário, ela entrega algo mais para a bancada”.
No litoral de Porto de Galinhas e Tamandaré existe cerca de uma dezena de espécies de corais construtores de recifes. Hoje, a biofábrica trabalha com o coral-fogo e também com a Mussismilia harttii, mas a ideia é começar a reproduzir e reintroduzir outras variedades.
Por meio de nota, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente de Pernambuco informou que os recifes de corais são um dos principais ecossistemas marinhos do estado e que, atualmente, tem dez projetos voltados diretamente para sua conservação, como os planos de combate ao lixo no mar e de combate a espécies invasores; e o estabelecimento de regras e zonas para a prática de turismo náutico e para a pesca.
Além disso, a Secretaria informou que desenvolve ações que, “transversalmente, estão a beneficiar os recifes de corais, como a Política Estadual de Resíduos Sólidos, que envolve a capacitação de todos os municípios do estado para lidar com seus resíduos e rejeitos sólidos e líquidos”, informou a nota.
*A equipe da Agência Brasil viajou a convite da Fundação Grupo Boticário
Fonte Agência Brasil – Read More