Pesquisa realizada em parceria com universidade da Itália revela como tratamento celular pode ser eficaz; estudo acaba de ser divulgado na revista AIDS Research and Therapy
Um estudo realizado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em conjunto com o Istituto Superiore di Sanità, de Roma (Itália) traz uma excelente notícia para a tão esperada cura da AIDS, provocada pelo vírus HIV. A nova pesquisa reforça como o possível caminho pode estar no tratamento celular. Os resultados foram divulgados nesta quarta,12, na revista AIDS Research and Therapy (Springer Nature), uma das publicações científicas mais renomadas do segmento. O artigo na íntegra pode ser visto neste link.
A relevância desse estudo está na incessante busca médica pela cura da doença. O vírus HIV pode escapar do sistema imunológico humano, e as células infectadas abrigá-lo por tempo prolongado e indefinido, sendo responsáveis por sua persistência, apesar da atual eficácia das terapias antirretrovirais (ART).
A eliminação do vírus provavelmente resultaria na cura da infecção, anulando a necessidade de ART por toda a vida. Contudo, uma das características críticas de sucesso do HIV é sua diversidade genética, que leva à evasão do sistema imunológico. Por esse motivo, ainda não temos uma vacina eficaz contra o HIV”, destaca Ricardo Sobhie Diaz, professor e chefe do laboratório de Retrovirologia, disciplina de Infectologia, da Escola Paulista de Medicina da Unifesp (EPM/Unifesp).
Diaz explica que, “mais além, a contínua diversidade genética do HIV por vezes permite que a resistência antirretroviral evolua. Assim, a terapia antirretroviral supressora diminui a exposição antigênica do HIV ao sistema imunológico humano, reduzindo a vigilância imunológica ao vírus. Como a resposta imune adaptativa é essencial para controlar e eliminar uma série de infecções virais, buscou-se desenhar estratégias para promover resposta imune mais intensa entre os indivíduos infectados pelo HIV em tratamento antirretroviral, com o objetivo de mitigar o tamanho do reservatório do vírus, aproximando os indivíduos da chamada cura funcional da infecção pelo HIV”.
Nesse sentido, os pesquisadores especulavam que aumentar a imunidade efetiva ao HIV não era apenas uma questão de entrega do estímulo imunológico, mas também um problema relativo à qualidade do estímulo imunológico. Portanto, direcionar o sistema imunológico para porções de proteínas mais conservadas expressas mesmo por células infectadas com HIV latentes poderia ser ineficaz.
Após uma nova abordagem, testada em pessoas vivendo com HIV/AIDS (PVHA), o grupo de pesquisa fez descobertas animadoras e que podem indicar um caminho para a cura. O processo difere daqueles até agora testados por outros grupos em dois níveis:
1. Apenas as porções virais incapazes de sofrer mutação em larga escala (e, portanto, escapar da resposta imune) foram administradas aos pacientes. Os fragmentos virais usados para imunizar os seres humanos (tecnicamente chamados de “epítopos”) foram retirados das porções mais conservadas do ponto de vista evolutivo e derivadas de uma das proteínas do HIV com menor probabilidade de sofrer mutação, a proteína estrutural Gag.
2. Foi tentada uma apresentação personalizada do epítopo viral, com base na composição genética do sistema imunológico de cada paciente. Para alcançar esse objetivo, os pesquisadores tiveram que considerar algumas moléculas críticas que governam a resposta imune, ou seja, os antígenos leucocitários humanos (HLA). A disposição dessas moléculas é pessoal e, portanto, nem todos os indivíduos reconhecem as mesmas “porções” virais.
“Essa questão é complexa porque o HIV tem grande diversidade genética. Então, tivemos que sequenciar os vírus circulantes presentes nas células de cada participante do ensaio clínico para superar esses obstáculos. Nós também determinamos a matriz das moléculas HLA acima mencionadas para cada participante. Cruzando esses dados por meio de algoritmos computacionais, pudemos encontrar individualmente os epítopos dentro do vírus que tinham a melhor correspondência com sua matriz individual de moléculas HLA. Os peptídeos foram sintetizados e “montados” em laboratório nas moléculas HLA de células específicas extraídas do sangue dos participantes do estudo. Essas células foram, então, reinfundidas em cada indivíduo para imunizá-los na chamada terapia celular autóloga”, descreve Diaz.
A pesquisa resultou em dois pacientes exibindo um DNA viral indetectável (ou seja, a forma em que o vírus fica silencioso dentro do corpo) ao final de um protocolo terapêutico experimental. Os resultados mostram, assim, que o vírus desapareceu ou atingiu níveis extremamente baixos nas amostras de tecidos dos pacientes analisados.
Para Diaz, “o estudo é importante porque representa a primeira tentativa – pelo menos em parte, bem-sucedida – de uma terapia celular personalizada do HIV, levando em conta tanto o sistema imunológico do paciente e o perfil do vírus do indivíduo. Dados os resultados promissores obtidos, os achados podem fornecer novas ideias para estratégias de cura para indivíduos com AIDS”.
O Dr. Andreas Savarino, coinventor dessa abordagem no estudo, faz coro e também destaca que “essa pesquisa representa uma prova de conceito para a conduta da medicina de precisão na terapia celular do HIV. A técnica ainda precisa ser otimizada e automatizada para diminuir os custos e a escalabilidade em larga escala. A ideia pode parecer ambiciosa, mas estamos avançando, desenvolvendo um software para otimização do desenho da vacina, limitando em parte a mão de obra necessária para o projeto”, conclui Savarino.