Ao menos duas iniciativas para cuidar da forma crônica da doença de Chagas e evitar a transmissão congênita devem ser implantadas no ano que vem. O projeto Comunidades Unidas para Inovação, Desenvolvimento e Atenção para a doença de Chagas (Cuida Chagas), coordenado pelo Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas da Fundação Oswaldo Cruz (INI/Fiocruz), está em fase final de aprovação da comissão de ética para ser implantado a partir de 2022, com duração de 4 anos.
O outro projeto é a finalização do Guia para estruturação de linhas de cuidado para doença de Chagas, que está sendo feito por um grupo de trabalho da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde da Saúde. As duas iniciativas foram apresentadas na manhã de hoje (18), durante o 1º Simpósio de Doenças Negligenciadas Fiocruz-Novartis: Chagas e Hanseníase, promovido pela Fiocruz e a farmacêutica Novartis.
A pesquisadora principal do estudo Cuida Chagas, Andréa Silvestre, explicou que o projeto piloto, que conta com o financiamento da agência global Unitaid, será implantado nos municípios de Espinosa e de Porteirinha (MG), São Desidério (BA), São Luís de Montes Belos (GO) e Iguaracy (PE).
“Nós atuaremos com a vigilância de casos crônicos, com todas as ações priorizando e acontecendo na atenção primária à saúde, rastreamento e busca ativa de novos casos, permitindo toda uma viabilidade operacional. Nós imaginamos que nesses territórios nós temos a possibilidade de avaliar quase 6 mil pessoas, que serão identificadas dentro desse processo de detecção”.
De acordo com ela, o projeto também ocorrerá em dez municípios da Bolívia, 13 da Colômbia e cinco do Paraguai, com um total de 234 mil pessoas avaliadas.
“Nós utilizaremos sempre a comunicação como via de mudança social e de comportamento, então o envolvimento da comunidade é fundamental, para que a gente tenha ações de informação, educação e comunicação que possam ser aplicadas em profissionais da atenção primária à saúde e maternidade, para que a gente crie processo de diagnóstico e tratamento mais eficientes e efetivos”.
Silvestre destaca que, como doença negligenciada, menos de 10% das pessoas com a condição crônica da doença de Chagas são diagnosticadas e menos de 1% conseguem ser efetivamente tratadas.
Guia de cuidados
Integrante do Grupo de Trabalho da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde da Saúde, Swamy Lima Palmeira, explicou que a proposta do Guia de Linhas de Cuidado tem como objetivo geral promover a redução da mortalidade pela doença, promovendo o acompanhamento do paciente independente do ciclo da vida e da forma da doença.
“Como objetivos específicos a gente quer identificar os grupos populacionais em situação de vulnerabilidade e as áreas prioritárias do ponto de vista epidemiológico da doença; orientar e ampliar a oferta do diagnóstico laboratorial em municípios prioritários; garantir o tratamento específico; disponibilizar mecanismos de integração entre os diferentes níveis de governo; monitorar indicadores relacionados à vigilância; e integrar a atenção primária ao desenvolvimento de ações de prevenção e controle da doença de Chagas”.
De acordo com ela, outra linha importante é oferecer às famílias o conhecimento necessário para que saibam onde buscar assistência específica para diagnóstico e tratamento, como lista de exames que devem ser realizados e a periodicidade deles.
Doença negligenciada
A doença de Chagas foi descoberta em 1909 pelo pesquisador brasileiro Carlos Chagas. Ela resulta da infecção pelo protozoário Trypanosoma cruzi, tendo como vetor diversas espécies do inseto Triatoma, conhecidos barbeiros, chupões ou chupanças. A doença é endêmica na América Latina e se enquadra no rol das doenças tropicais negligenciadas. A incidência é alta em populações socialmente excluídas, como em bolsões de pobreza, habitações rurais em locais sem infraestrutura e com sistemas de saúde ineficientes.
Representante da Associação dos Pacientes Portadores de Doença de Chagas de Pernambuco, Joanda Gomes afirma que a doença é negligenciada porque “é uma doença de pobre”.
“Não é uma doença que seja lembrada, ela é negligenciada porque é uma doença da pobreza. O pobre continua lá, na sua casinha de pau-a-pique sem poder fazer uma alvenaria, um bom reboco, e outros sem ter nem o que comer. A associação tem mais de 30 anos, onde a gente fala com os outros e pode conversar com o médico diretamente. Sou tratada como gente, de corpo e alma, sou tratada como pessoa, como Joanda, e não como uma doença”.
No Simpósio também foram apresentadas experiências de sucesso no cuidado da doença, como a notificação compulsória da doença de Chagas na fase crônica em Goiás; o ambulatório Casa de Chagas do Pronto-Socorro Cardiológico Universitário de Pernambuco; e o Laboratório de Pesquisa Clínica em doença de Chagas do INI/Fiocruz.
A coordenadora técnica do guia para cuidado crônico para doenças infecciosas negligenciadas da Organização Panamericana da Saúde (Opas), Linda Lehman, apresentou o guia Chronic Care for Neglected Infectious Diseases: Leprosy/Hansen’s Disease, Lymphatic Filariasis, Trachoma, and Chagas Disease (Cuidado crônico para doenças infecciosas negligenciadas: hanseníase, filariose linfática, tracoma e doença de Chagas, em português), disponível apenas em inglês. Os participantes do evento pediram que o documento seja traduzido para português e espanhol.
A doença de Chagas ocorre nas formas aguda, que pode ser assintomática; crônica, que aparece com sintomas anos ou décadas após a infecção; e congênita, quando a infecção passa da mãe para o filho ou filha durante a gestação. Ela existe na forma cardíaca, que se caracteriza por cardiomiopatia dilatada associada com miocardite, fibrose e disfunção cardíaca; ou a forma gastro-intestinal, que pode resultar em mega-cólon e/ou mega-esôfago. Há também a forma mista da doença, com sintomas das duas formas associados.
Fonte Agência Brasil – Read More