Instituição desenvolve duas vacinas, a que tiver melhores resultados clínicos, deve ser produzida até o final de 2021 ou início de 2022
Conforme publicou o jornal Folha de S.Paulo, nesta quinta-feira (17/12), a Fiocruz está desenvolvendo duas vacinas próprias contra a Covid-19. Além disso, a instituição segue se preparando para produzir fabricar o imunizante criado pela Universidade de Oxford e pela AstraZeneca.
Segundo a reportagem, os estudos da Fiocruz tiveram início em janeiro, antes do cenário caótico vivido atualmente em decorrência do Coronavírus. Segundo o último boletim divulgado pelo Ministério da Saúde, o Brasil tem 183.735 mortes e 7.040.608 casos da doença.
A pesquisa em torno das duas vacinas, que estão sendo feitas com financiamento nacional, têm prazo de conclusão para o final de 2021 ou o primeiro semestre de 2022, segundo o cronograma da Fiocruz. Contudo, apenas uma delas será destinada a imunização da população, aquela que se sair melhor nos estudos pré-clínicos.
“Desenvolvemos ambas em paralelo, pelo menos nos estágios iniciais, para podermos ter maior garantia que conseguiremos levar um produto até o final”, afirmou a Folha de S. Paulo o vice-diretor de Desenvolvimento Tecnológico de Bio-Manguinhos (Fiocruz), Sotiris Missailidis.
Batizadas pelos pesquisadores de “sintética” e de “subunidade”, as duas vacinas, estão na fase de testes em animais, dividida em duas etapas: avaliação de segurança/imunogenicidade e proteção.
“A primeira etapa era pra ver se essas vacinas geravam anticorpos e uma resposta imunocelular e também se eram seguras. Essa etapa foi concluída com resultados positivos. Não tinha problemas de toxicidade, são imunogênicas.”
A segunda fase deve começar em breve. Nela, “você vacina o animal e o desafia com o vírus vivo de Sars-Cov-2 para ver se a vacina o protege.” Se tudo ocorrer como esperado , começam os testes em humanos.
A vacina sintética é baseada em peptídeos, pequenas partes de proteínas do vírus, produzidos em laboratório por síntese química e que são reconhecidos pelo sistema imune.
O objetivo é induzir a produção de anticorpos específicos ao Sars-CoV-2 e ativar linfócitos T, que também têm a função de defender o corpo dos vírus.
“O sistema imune age de duas maneiras. Produzindo anticorpos para proteger e neutralizar o vírus, mas também ativando células protetoras (células T) que matam células infectadas do organismo, proibindo a proliferação do vírus. Os peptídeos ativam ambas as formas de proteção”, explica. Não há no mercado global nenhuma vacina que use essa plataforma.
A vacina de subunidade é baseada em proteínas virais, produzidas de forma biotecnológica e utilizadas para estimular o sistema imune. Nessa tecnologia —usada, por exemplo, na vacina da hepatite-B—, a proteína ou proteínas do vírus são produzida em outro organismo (bactéria, célula de inseto ou de mamífero) e, purificadas, são injetadas no organismo para ativar o sistema imune.
Para os testes com o, foram usadas a proteína S e a proteína M do Sars-CoV-2 em E. coli [a bactéria Escherichia coli]. “A proteína S é mais específica para anticorpos neutralizantes [anticorpo que atua no ponto de interação com a célula e bloqueia essa interação, neutralizando o vírus]. A proteína M gera anticorpos mas também uma resposta celular.”
De acordo com a Fiocruz, a produção da vacina da AstraZeneca e Oxford, que passa por uma nova fase de testes de eficácia, não prejudicará o desenvolvimento do medicamento próprio.
De acordo com a médica infectologista Lívia Vanessa Ribeiro Gomes Pansera, membro do Centro de Operações de Emergência em Saúde Pública Covid-19 do Distrito Federal, a alta demanda global e as dificuldades de logística no país tornam mais importante o desenvolvimento de um imunizante próprio.
“Apesar de essas empresas terem uma capacidade de produção muito grande, não necessariamente a produção dessas vacinas que estão mais avançadas dará conta do mercado global.”
Ela lembra que é comum ter vários imunizantes para uma mesma doença. “Provavelmente vão sobreviver no mercado as vacinas que tenham bons resultados de segurança, mas também que sejam mais viáveis, mais fáceis de se fazer a distribuição, armazenamento e aplicação.”
Os desafios à frente das vacinas desenvolvidas por alguns dos principais laboratórios do mundo são enormes. Os testes realizados até agora indicaram a eficácia desses produtos, mas não sua efetividade. No primeiro caso, trata-se dos resultados de imunização obtidos em condições ideais de uso, ou seja, em ensaio clínico. No segundo, trata-se dos resultados de imunização em condições reais de vacinação.
“Vacina é certamente a nossa maior ferramenta para controlar a pandemia. Mas temos que entender que a vacina não vai ser como aquele botão de desligar ou reiniciar, com que voltaremos aos tempos pré-pandemia“, afirma a epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabin, organização sem fins lucrativos voltada à democratização das vacinas .
“E vai levar algum tempo para que haja uma distribuição em massa da vacina, com alta aderência da população [à vacinação] para se alcançar uma cobertura vacinal suficiente para proteger a população. As medidas de proteção que já conhecemos, e sabemos que funcionam, vão permanecer conosco por um bom tempo.”
Ela explica que o percentual da população a ser vacinada para garantir a imunidade coletiva dependerá da eficácia do imunizante disponível e que é fundamental, para que haja alta aderência, que a população esteja bem informada “quanto à importância da vacina, para que entenda os processos que garantem a segurança e eficácia da vacina“.
O Ministério da Saúde divulgou nesta quarta-feira (16/12) uma nova versão do plano nacional de imunização, lançado em meio a reiteradas falas antivacina do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
O documento de 110 páginas eleva de 300 milhões para 350 milhões o total de doses “em negociação”, mas não tem data exata para início da campanha nem detalha o cronograma de aplicação das doses.
“Quem salva vida não é a vacina, é a vacinação. Se a gente não tiver um plano de vacinação bem estruturado, não adianta nada. A gente só vai conseguir erradicar o vírus quando as pessoas estiverem vacinadas. Um pouco depois. Existe uma espécie de ‘ressaca’ até que o vírus deixe de circular”, afirma Michelle Vieira Fernandez, cientista política, pesquisadora e professora na Universidade de Brasília, especialista em implementação e avaliação de políticas de saúde.
“Esse plano [de vacinação] é para anteontem. A gente não vai ter 210 milhões de vacinas ao mesmo tempo.”
Fonte: https://diariodorio.com/